quarta-feira, 22 de março de 2017

lucky bastard


Há uma coisa que me anda a deixar-me muito irritada. É que muitos me dizem que eu sou uma sortuda por trabalhar onde trabalho, por todos serem prestáveis e simpáticos comigo, por já ter feito amizades durante este (pouco) tempo, de ter liberdade para dar a minha opinião e por ter a oportunidade de pôr em prática 99% das minhas ideias...

Mas será que é só sorte?
Sorte???

Sabem, ao início era eu própria que dizia que tinha muita sorte. Hoje em dia essa palavra já quase que me ofende. Não me interpretem mal, não me considero a última bolacha do pacote nem nada que se pareça. Nem sequer me acho super boa e super profissional e cheia de coisas para ensinar. Nop. Na maioria das vezes tenho dúvidas e funciono muito de intuição e de tentativa-erro. Mas acho ofensivo dizer a uma pessoa que se mata a trabalhar diariamente, que vai em frente mesmo com dúvidas, mesmo com medo, que assume responsabilidades, que aceita desafios, que não tem medo ao trabalho e que faz de tudo, que aprende sempre com tudo e todos e nunca diz que não faz porque não sabe, que se desenrasca, que é autónoma e proativa, que não tem fins de semana há meses... é ofensivo dizer que essa pessoa tem sorte. Não senhores. Eu tive uma ótima oportunidade - e todos os dias me sinto agradecida por isso - e soube aproveitá-la. Aproveitei-a com unhas e dentes e corri atrás dela com todas as minhas forças - e continuo a fazê-lo todos os dias. Não é por sorte que tenho o "crédito" que tenho, nem por sorte que fiz os amigos que já fiz, nem por sorte que as pessoas já me conhecem, e também certamente que não é por sorte que me desafiam e me confiam determinadas responsabilidades.

Por isso, chega de dizer "Ó tu é que tiveste sorte!" porque eu tive tanta sorte como qualquer outra pessoa. Resta saber se outra pessoa trabalharia durante meses sem receber um cêntimo (não por opção da empresa, mas é assim que as coisas funcionam), se trabalharia também ao fim de semana sem receber mais por isso, que fosse a primeira a chegar e das últimas a sair, que fizesse de tudo e mais um par de botas, que todos os dias se esforçasse para memorizar o nome dos 90 e tal colaboradores e de fazer conversa, piadas, brincadeiras com eles... Eu gostava de saber se outra pessoa acabaria por dizer que afinal não teve sorte.

Depois também acho que todos acham que é tudo rosas. Que a minha vida é perfeita, que é muito fácil, que tudo o que me acontece é ótimo e que tudo corre bem. Tenho dias maus, como toda a gente. Já tive problemas no trabalho, já me chateei com colegas, já levei na cabeça, já errei, já falei demais, já me arrependi de algumas coisas, também já tive tanto medo de falhar que quando chegava à cama não conseguia dormir. Também tenho dias em que estou doente e vou trabalhar e tenho que pôr o sorriso de todos os dias, também já me apeteceu faltar para ficar a descansar mas trabalhei como o costume. Já me mandaram fazer coisas que não têm que ver com o meu trabalho e também já fiz coisas que não gostei de fazer. Mas fiz. E isto ainda não é nada comparado com o que ainda vem por aí. Aqui a questão é que quando me perguntam "Então, como é que está a correr o teu trabalho? Gostas do que fazes?" eu rasgo um sorriso, ponho um brilho nos olhos e digo que "Siiim, adoro!" e aponto todos os aspetos positivos: as pessoas, o trabalho, os projetos, o respeito, as oportunidades, o edifício, a localização, o relacionamento entre todos... Bom, foco no que eu dou importância e eu tenho a mania de só dar importância às coisas boas, positivas e bonitas. Nem me lembro das más. Não vejo qual é o propósito de me estar a queixar a quem me pergunta como é que as coisas me estão a correr. Também não sou de me queixar. E por isso as pessoas acham que é tudo rosas e eu vivo no País das Maravilhas e todos os dias salto de nuvem em nuvem e ando montada de unicórnio de crina em arco-íris pelo Centro Histórico.

Eu vivo bem com isso e estou de consciência absolutamente tranquila. Mas depois de alguns meses a ouvir isto e depois de ter um mês e, particularmente, uma semana e um sábado como eu tive, pus-me a pensar... Isto de sorte tem muito pouco, de facto. E não vou deixar que voltem a diminuir a minha responsabilidade neste assunto. E todos vocês deveriam de fazer o mesmo. Não deixem que vos diminuam, que vos convençam que vocês não mereceram o que têm na totalidade, que pelo menos 50% do que conseguiram foi por sorte. Na grande maioria das vezes, não foi. Foi 100% trabalho e dedicação.

Eu A-DO-RO o que faço e faço-o com tanto amor que nunca me custou ir trabalhar. Nunca. Mas isso não quer dizer que não me mate a trabalhar, que não me sinta exausta, que não tenha que fazer 30 coisas durante o dia e 8 coisas ao mesmo tempo, que não abdique de coisas pessoais, que não tenha o meu relatório em águas de bacalhau, que não tenha tempo para a maioria das coisas que tinha antes.

Por isso chega de dizer que tive sorte, que estou onde estou por isto ou por aquilo. Eu estou porque faço. 

E se quiserem ter a mesma sorte que eu tenho, trabalhem como eu trabalho.

Combinado?


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