terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Sobre a Praxe II - Dura Praxis Sed Praxis


Antes do início deste ano letivo, escrevi sobre a minha experiência de caloira praxada aqui para, quem sabe, ajudar aquelas pessoas que estavam indecisas em relação a esse assunto e que nos próximos 15 ou 20 dias iriam entrar para a universidade.

Escrevi também este post no final da minha praxe.

A Minha Praxe
Hoje este assunto volta a ser alvo de ódios e mal-dizeres. Essa tradição está a ser manchada e "metida no mesmo saco" que outras coisas horríveis que fazem aos caloiros que nada têm a ver com a praxe tradicional. Não sou fundamentalista. Não defendo a praxe com unhas e dentes porque eu sei que existem situações que não há defesa possível. Eu defendo a praxe no sentido mais puro. Eu defendo, por exemplo, o tipo de praxe que eu tive. E não vale a pena dizer - como já me disseram - que levei uma lavagem cerebral, porque quem me conhece sabe que não é, de todo, o caso.

Eu fui uma sortuda, confesso. Tive excelentes doutores que sempre entenderam os limites dos caloiros e nunca - mas mesmo NUNCA - os vi a obrigar a fazer o que quer que fosse que estes não pudessem/quisessem fazer. E querem um exemplo? Eu fui operada a meio do ano letivo o que fez com que não pudesse mesmo fazer as flexões. NUNCA ninguém me obrigou a fazê-las. Conheciam a situação e eram os próprios doutores que vinham perguntar-me se me sentia bem e se podia fazer isto ou aquilo. A decisão era minha, não deles. E o que aconteceu comigo, aconteceu com outros colegas na mesma situação ou em situações idênticas.

Os meus Doutores não eram Monstros
Eram os doutores que nos cediam os apontamentos das aulas. Cediam-nos (e ainda o fazem!!!) os testes do ano deles, exemplos de trabalhos que fizeram, cadernos, power points... Ajudam-nos a estudar. Ajudam-nos no esclarecimento de dúvidas, nos trabalhos de grupo. Ajudam-nos ao descreverem os vários caminhos que podemos seguir dentro do curso. Dizem o bom e o mau. Nos primeiros tempos, ajudaram-nos a conhecer a universidade. Almoçavam connosco na cantina e faziam com que nos conhecêssemos uns aos outros. Mostravam-nos a cidade (principalmente aos colegas que ficavam lá a viver durante a semana). Saiam connosco à noite para os bares (os que podem, ainda saem) mas nunca vi nenhum a obrigar ninguém a beber ou a fumar, ao contrário do que todas as pessoas que nunca frequentaram a praxe dizem. Mostraram-nos onde fica o centro de cópias, os melhores restaurantes para comer bem e barato, os cafés/bares/discotecas, mostraram-nos coisas que sem eles demorávamos o dobro do tempo a descobrir.
Viviam connosco as nossas emoções. Alguns doutores ficaram mesmo emocionados (quando não choraram) quando nos viram de traje pela primeira vez. Chamam-nos "os nossos meninos" e nós somos e iremos sempre ser os meninos deles.
Os nossos doutores hoje são os nossos amigos da universidade. São aquelas pessoas que sabemos que temos ali sempre que precisamos de ajuda. São os que nos dizem "Não te preocupes com essa cadeira porque tu vais ver que nem é assim tão difícil. Se precisares de ajuda só tens que dizer...".

As minhas praxes foram fisicamente duras. Fazíamos muitas flexões e gritavam connosco, claro. Mas todos sabíamos que aqueles doutores que estavam à nossa frente eram personagens. Eram "bonecos" que encarnavam durante as 4 horas (ou mais, dependia) de praxe e no final eram simplesmente os nossos amigos e companheiros de trabalho.

Integração, Companheirismo e Conhecimentos
Não ponham dúvidas de que a praxe ajudou muito na minha integração, não só com os meus colegas do 1º ano, mas com os próprios finalistas - os que nos praxavam. E quem diz que isso é um mito urbano, das duas uma: ou não teve uma boa praxe, ou nunca foi praxado. Serviu para melhorar o nosso relacionamento. Mesmo quando não concordamos com as opiniões dos outros, aprendemos a ser companheiros, acima de tudo. E como? Porque na praxe éramos todos iguais. Um falhava, éramos todos castigados. Podem criticar essa atitude, mas resultou! Hoje faço parte da Comissão de Festas e os nossos valores incutidos na praxe estão visíveis em todos os elementos.

A Minha Opinião
Perguntam-me se concordo com tudo o que se faz nas ditas praxes. Não, não concordo. Já disse que não sou uma fundamentalista e que tive muita sorte com os meus doutores que sempre nos respeitaram e sempre foram sensatos. Mas também vos digo que o que muitas Universidades fazem não é praxe. Não é, minha gente, não é! E não se iludam. Os caloiros não comem bosta, não andam nus nem são obrigados a beber álcool ou a atirar-se ao mar. Isso não é praxe. Isso são duas coisas: doutores absolutamente anormais que nunca leram o Código de Praxe e simplesmente não fazem ideia do que a praxe significa; e caloiros que não sabem dizer "Não!". Admito que seja difícil fazê-lo sobre pressão e que há muita gente incapaz de o fazer, por isso considero que os principais culpados - obviamente - são esses pseudo-doutores.

Se sou a favor de regulamentar as praxes? Depende de quem fizer o regulamento. Flexões e gritos nunca matou ninguém. Chafurdar na lama também não. Mas há quem considere isso horrível. Não é. E eu falo por experiência própria. Mas sou a favor do controlo das praxes por parte do Cabido e do próprio Papa.

Disseram-me que ver os caloiros de quatro é uma tremenda humilhação e que não sabem como é que eu fui capaz de o fazer. Ok, admito que quando estava de fora também pensava o mesmo. Mas só quem lá está é que sabe. Só quem está incluído na praxe é que percebe o propósito daquilo, o propósito das fases que vão passando e que os de fora nunca o irão compreender. Acho que ninguém veste o traje com tanto orgulho como aqueles que foram praxados. O sentimento que é usá-lo e dizer "Eu consegui!". É indescritível. E digo isto porque a grande maioria que não frequentava a praxe nem sequer comprou o traje e considera-o desnecessário. Para mim, significa tudo. Significa o sacrifício, o orgulho, um objetivo alcançado. Trajar-me com os meus doutores foi indescritível. As Serenatas, o Batismo, o Cortejo... São memórias que eu vou guardar para sempre com muito amor e muito carinho. Quem está de fora não percebe esses rituais, não percebe porque gritamos nem porque nos emocionamos tanto. Quem nunca foi praxado vê tudo numa outra perspetiva. O que não significa que seja pior que a minha! Respeito, sempre respeitei, a opinião daqueles que não queriam fazer parte desse grupo e nunca vi ninguém - colega ou doutor - a excluir essas pessoas.

O Pseudo-"Jornalismo" em Portugal
Queria deixar uma coisinha no ar: eu estudo jornalismo. Eu vejo a manipulação que os meios de comunicação estão a fazer e digo-vos que me encho de vergonha só de assistir. O bom jornalismo em Portugal é praticamente inexistente. Por favor, não acreditem em tudo o que vêem nos telejornais porque estão, literalmente, a ser manipulados. Eu sei do que falo porque eu estudo isso. Sei como é feito e com que propósitos. E isso, meus amigos, isso não é jornalismo. Tenho muita vergonha do que se passa nos nossos meios de comunicação. Muita vergonha.
Há mais de um mês só se fala nisso. E se repararem as "notícias" são sempre as mesmas - o rapaz que sobreviveu (qual Harry Potter) não fala; os pais das vítimas querem que ele fale; as praxes são rituais do demónio onde as pessoas são humilhadas e mortas; as praxes têm que acabar porque são horríveis; os universitários são uma cambada de burros porque aceitam as praxes. E depois há um rol de especialistas que vêm com a lógica da batata discursar durante 20 minutos sobre aquilo que já se anda a falar há um par de dias e a lenga-lenga repete-se de uma forma vergonhosa. Ora, se não é novidade não é notícia. Se não é notícia não é jornalismo. Se não é jornalismo não pode, de maneira nenhuma, ocupar 80% dos noticiários diários dos 3 canais portugueses.
O caso mais épico foi a "investigação da TVI". Não sei se sabem, mas sabe-se que a jornalista Ana Leal desenvolveu uma investigação com direito a reconstrução da noite da tragédia do Meco com base num comentário feito supostamente em jeito de brincadeira no site Chupa-mos (podem ver a notícia nesse link). Eu não sei se isto é verdade ou não, mas como eu já não confio nas informações da TVI, não ponho a mão no fogo.
Tudo isto para vos dizer que podem ver o que quiserem e acreditar no que quiserem, mas os meios de comunicação neste momento estão a fazer o que se chama de "Agenda Setting". Isto é, estão a selecionar um tema - e uma posição bem visível, o que por si só é mau jornalismo - e entupir-nos com isto até à ponta dos cabelos para acontecer duas coisas: 1) influenciar e manipular a opinião pública e fazer acreditar que a praxe tem que ser abolida porque é ofensiva. Claro que quando só ouvimos maus exemplos de praxe, a nossa opinião vai ser de oposição a esta. É natural. Pena é só mostrarem as exeções à regra, mas isso dá-lhes jeito; 2) para desviar a atenção do povo para outros assuntos que se estão a passar no país.
Já ouviram falar da cultura do "pão e circo" instituída pelo imperador romano César Augusto? É exatamente isto que estão a fazer ao Zé Povinho. Mas eu quero acreditar que o povo já não é parvo.

É engraçado quando a TVI critica a praxe com unhas e dentes e obriga os concorrentes d' "A Casa dos Segredos" a comer grilos, a mexer em ratos, baratas, minhocas... Que os obriguem a atirar-se à piscina por volta das 23h com uns 6º e com a água gelada... E que durante uma discussão feia onde podia ter caído porrada da feia, a "Voz" ter trancado a porta para que nenhum concorrente pudesse escapar à discussão. Lamento, mas em comparação a isto, as praxes são muito fraquinhas.
A TVI (principalmente) só devia estar caladinha e limitar-se a fazer jornalismo, pelo menos uma vez na vida.

O Caso do Meco
Não sou ninguém para falar. Não vou falar do que não sei ao contrário da maioria das pessoas. Vou deixar a polícia fazer o seu trabalho antes de tecer qualquer comentário e qualquer acusação a este ou àquele. E acho que todos deveriam fazer o mesmo. Não se costuma dizer que se é inocente até se provar o contrário?
O que eu queria mesmo frisar é que lamento imenso a morte dos seis estudantes. É horrível saber que seis pessoas tão novas foram levadas pelo mar e perderam a vida. Lamento mesmo muito.
Aos pais dos jovens... Nem quero pensar no que estão a sentir. É uma perda para a vida e uma vida perdida. Estes pais nunca mais vão conseguir viver. Apenas sobreviver. Arrepia-me pensar na sua dor. Ninguém merece uma provação destas. Lamento tanto que isto tenha acontecido...
Ao João digo que também lamento ter perdido os amigos. Não quero imaginar o que está a sentir neste momento. Não sei o que seria de mim se perdesse os meus desta maneira (ou de outra qualquer). Independentemente do que estiveram lá a fazer, o João não queria este desfecho e deve estar a sofrer com a tristeza de ter perdido os amigos e a sofrer pelo peso na consciência (talvez!) e com todas as acusações que têm vindo a ser-lhe dirigidas.
Espero que a verdade se reponha e que todos consigam seguir em frente da melhor maneira possível.

O que eu Defendo
Mais uma vez reforço a minha posição: sou completamente a favor da BOA e VERDADEIRA praxe e não dos massacres de que os jornalistas se esforçam para mostrar e, que de facto, existem ainda que em menor número. Respeito totalmente as pessoas que não querem fazer parte desse mundo e quem convive comigo sabe que é verdade. Não gosto quando as pessoas falam sem saber e me vêm perguntar coisas mas já vêm tão formatadas com o que vêem no telejornal que nada do que eu diga lhes vai mudar a opinião.

Todos deveriam passar por uma praxe como a que eu tive. Honesta, dura e sensata.
A minha primeira praxe.

Duas ou três semanas depois: a Latada!

Praxe da Lama em abril.
A praxe mais divertida de todas!



Dos momentos mais lindos de sempre, o meu batismo.
Numa noite de maio. Não parou de chover e o frio era de rachar.



As Serenatas. O momento onde os nossos padrinhos nos traçam a capa. Nunca me vou esquecer desta noite. Um sentimento enorme de dever cumprido, de orgulho, de espírito de equipa. O verdadeiro espírito académico.
Com a minha madrinha e com o meu irmão de praxe. Na última foto, o nosso curso a cantar o Hino de Curso. Podem ver o vídeo de onde fiz o print screen aqui.

15 de maio - Cortejo Académico.
O fim da praxe.

Como podem ver, estive sempre triste e com cara de frete. Nota-se que estava na praxe para ser humilhada e obviamente que fui obrigada a participar. Não mostro fotos do grupo porque não quero desrespeitar a privacidade deles, mas em todos os casos, o sentimento, acredito, foi muito semelhante ao meu.

Peço desculpa pelo post tão extenso mas é que eu ando mesmo farta de ouvir falar das praxes. Principalmente ouvir pessoas que não sabem do que falam e só dizem autenticas barbaridades. Não há seitas, senhores. Não há pactos de silêncio!

Peço a todos os caloiros que vão experimentar as praxes. Ninguém morde, ninguém bate. É uma experiência única que deve ser levada com boa onda e não levar nada a peito. Mas se são se sentirem bem digam "NÃO!". Digam mesmo! É o vosso direito e não têm que assinar folha nenhuma. São livres de fazer o que quiserem! Não se esqueçam disso.
Peço a todos os doutores que tenham bom senso. Que não sejam umas bestas e que tratem os vossos caloiros com a dignidade que foram ou que gostariam de ter sido tratados.

A praxe tem que ser uma excelente experiência para todos, um momento académico lindo, único e inesquecível. Não estraguem isso, por favor!

E não se esqueçam que vos estão a mostrar o circo e a atirar-vos o pão à cara.


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