sexta-feira, 25 de abril de 2014

SOMOS UM! SOMOS LEI!

Estou a tentar escrever este post há uma eternidade. Parece que não há forma de descrever o dia de hoje. Não consigo pôr em palavras o ambiente, os sentimentos, a tristeza profunda e palpável que havia na Universidade.

Ainda não tinha chorado muito. Quando algo me choca desta maneira, demoro a assimilar a informação e a acreditar que é verdade. Mas passei todo o dia a chorar por dentro. Hoje ainda não ri. Não vejo motivos para isso. Simplesmente é-me fisicamente impossível neste momento.

Conhecia dois dos três rapazes que faleceram ontem naquele estúpido acidente. Só soube hoje de manhã os nomes. Mas pelo menos um, eu já o sabia. Interiormente, sabia que tinha sido ele. Não consigo explicar, mas é a verdade.

O Ambiente
A Universidade do Minho está de luto. Um luto muito genuíno, muito transparente, muito íntimo. Há silêncio. Só se ouve a tristeza. Multiplicam-se as homenagens. Ninguém ri, nem com o olhar. Não há piadas, não há vontade de mudar de humor. À hora do almoço, num dos restaurantes ao lado da universidade, o ambiente estava péssimo. Todos almoçavam por obrigação. Remexiam a comida no prato tempo infinito e sem grande vontade de a comer. Os que falavam, o tema era só um. O resto, limitou-se a ficar em silêncio. Grupos a comer em silêncio. Alguns comiam a chorar.
Passei pelo local do acidente. Deu-me um arrepio que ainda não passou. Agradeço por não ter lá estado ontem. Agradeço por não ter visto os corpos. Da maneira como me descreveram e do que eu vi em fotografias, nunca iria conseguir esquecer. São coisas que não podem acontecer connosco. São coisas que só acontecem nas outras universidades, a pessoas que não conhecemos. É impossível ser na nossa segunda casa, é impossível terem morrido colegas... Simplesmente não faz sentido.
Havia jornalistas em todos os lados. O sítio do acidente está vedado. Essa vedação está coberta com camisolas, casacos, cachecóis, faixas da maioria dos cursos da UM. No chão há flores e velas. No ar há silêncio. Há um silêncio ensurdecedor.
O dia não podia estar pior. Nunca vi o céu tão escuro. Nem mesmo em Braga. Durante a homenagem no Prometeu, choveu como eu nunca tinha visto. Granizo inclusive. Foi horrível.
Eu tive aulas. Tive uma apresentação e um teste - a vida não para, eu sei - e só nós sabemos o que nos custou fazer aquilo no meio daquela tragédia. No teste, que era no computador e por isso recebi logo a nota, tive 18. Não fiquei feliz. Como posso ficar feliz com uma nota depois do que assisti? Simplesmente não soube a nada. Penso que hoje nada me poderia animar. Hoje a comida não tem sabor, a televisão e a internet não têm interesse, os temas são-me indiferentes, a chuva não molha, o frio não me pode gelar mais do que o ambiente da universidade já me gelou. Tudo se tornou secundário. A tragédia não me saiu da cabeça nem por um minuto.
No meio de toda a tragédia, emocionei-me com os estudantes. A união entre cursos que muitas vezes é posta em causa hoje fez-se ver e sentir. Acredito que a grande maioria nem sequer sabia quem eram as vitimas e, mesmo assim, marcaram presença na homenagem no Prometeu e colocaram o nome do curso no local do acidente e fitas dos cursos no sítio "deles", no Prometeu. Nunca me vou esquecer deste momento. Aquele sítio, tão vulgar, tão comum, pelo qual eu passava tantas vezes, nunca mais vai ser o mesmo. Nunca mais me vou sentir bem ali. Não depois do que vi.

Os Caloirinhos Simpáticos
Como já disse, conheci dois deles. Costumavam reunir-se no Prometeu para depois sair em praxe. O Prometeu é o sítio onde eu e as minhas amigas (e muitas outras pessoas) passamos os nossos intervalos. Costumamos sentar-nos nas escadas ao sol a conversar e até mesmo a trabalhar. Os Engenheiros de LEI, uma vez, mandaram alguns caloiros sentar-se à nossa beira. Ao início não gostávamos muito. Queríamos conversar e eles estavam ali a meter conversa, a perguntar-nos o nome, o curso e por aí fora. Depois voltou a acontecer. E começamos a achar graça. Eles eram divertido, simpáticos e muito inteligentes. Quando estávamos a trabalhar, ficavam interessados e ajudavam-nos com ideias. Já agora, caloirinhos, muito obrigada pelo Anzol, fez o maior sucesso ;) Passado um tempo, éramos nós que pedíamos para eles virem ter connosco. E vinham. Não os conhecíamos muito melhor do que isto. Partilhávamos uns meros intervalos. Os suficientes para gostarmos deles e dizer-lhes "Olá" com um sorriso sincero na rua.
O que vai ser dos nossos intervalos sem vocês?

Os de LEI
Quem estuda em Braga sabe quem são os caloiros de LEI. É talvez das primeiras coisas que se aprende quando se entra na Universidade. Fazem-se ver. 
Usam disquetes com números ao peito. É discutível, mas é a tradição deles. Não há NENHUM curso nesta academia com um sentido tão especial de praxe como em LEI. Eles são literalmente uma família. Mas são mesmo! Saem juntos, mantêm-se juntos, protegem-se, apoiam-se. É arrepiante ver a camaradagem que existe naquela praxe.
Se a praxe deles é dura? Penso que sim. Nem todos aguentam. Se concordo? Só vivendo a experiência é que me sentia capaz de ter uma opinião completamente formada.
Já perguntei a vários caloiros - inclusive aos "nossos" - se gostam da praxe e porque é que têm praxe todos os dias. A resposta foi unânime: a praxe é a família na Universidade.
LEI tem um orgulho imenso no que faz. Os outros cursos têm-lhes respeito.
Posso garantir-vos (até porque eu perguntei diretamente a um dos rapazes que morreu) que NINGUÉM NAQUELA ACADEMIA GOSTA E SENTE TANTO A PRAXE COMO OS CALOIROS/ENGENHEIROS DE LEI. Para alguns, é até mais importante do que o curso. É discutível, mas são opções que não me dizem respeito. Mas admiro-os muito pela força de vontade e pela união. Pela família que eles são. Que o são, mesmo!
Deixo aqui um enorme abraço a todos os engenheiros, caloiros e restantes colegas de curso pela postura que tiveram hoje, por mostrarem que são mesmo uma família mesmo nos momentos mais trágicos. Nenhum de vocês teve culpa.

A Praxe
Não me vou alargar em relação a este tema. Até porque não vejo onde possa haver discussão. Mas há pessoas a fazer comentários desumanos nas notícias que foram saindo, culpando a praxe. A culpa não é inteiramente dessas pessoas, mas já lá vamos.
O acidente aconteceu enquanto que eles estavam em praxe. Ponto. Segundo o que sei, ninguém os mandou subir para a estrutura. Mas mesmo que o tivessem feito, ninguém poderia prever aquilo que se passou a seguir. Eles subiram para comemorar a vitória na guerra de curso com medicina. Para esclarecer, guerra de curso não é andar à porrada. É quando dois cursos se confrontam cantando músicas do curso. Estão sempre a uma distância grande uns dos outros. Quem cantar mais alto, ganha. Termina a guerra quando os vencedores cantam o Hino de Curso. Foi o que fizeram. Mas decidiram fazê-lo em cima da estrutura.
Agora pensem: quem nunca subiu a um muro para ver um espetáculo, por exemplo? Quem nunca subiu a um muro para se sentar? Quem nunca, pelo menos em criança, já subiu a um muro para brincar?
Por favor, não atirem a culpa a quem está a sofrer tanto neste momento. Até porque a culpa é tanto dos Engenheiros como das sandes de atum que vendem no Bar. Nenhuma.
Eu sei que eles eram incapazes de desrespeitar a praxe, de deixar os caloiros deles desprotegidos e postos em perigo de propósito. E logo LEI.
E não me venham dizer que deviam ter visto que o muro não era seguro porque isso é treta. Alguém deixou de passar na ponte de Entre-os-Rios por achar que não era segura? Não! No nosso dia-a-dia há coisas que nos passam ao lado, infelizmente.
Aquilo que aconteceu aos três rapazes, poderia ter acontecido a QUALQUER PESSOA. Até porque aquele sítio é a zona dos bares, super frequentada principalmente às quartas à noite. Qualquer pessoa podia ter subido. A culpa ia ser de quem? Da cerveja? E se fosse a festejar a vitória de um clube qualquer e a estrutura tivesse caído? A culpa era do clube? Não faz muito sentido, pois não?
No outro dia, festejou-se no Marquês a vitória do Benfica. Felizmente tudo correu bem. Mas e se algum adepto tivesse caído da estátua e tivesse morrido. Quem iria ser o culpado?
Vamos tentar ver as coisas com clareza, com bom senso. Podem ser anti-praxe e chegar à mesma conclusão que eu. Já chega de culparem a praxe por tudo e por mais um par de botas. Vamos apurar responsabilidades pelo muro estar naquele estado mesmo depois de tantas denúncias e respeitemos o luto.

A Comunicação Social
Não sei o que dizer sobre esta capa:
Obviamente que não é nada que me surpreenda vinda deste "jornal". Vi-os hoje no terreno. Mas eles estão lá para escrever aquilo que eles querem escrever, ou seja, aquilo que vende, que choca, que revolta. Eles não querem saber dos testemunhos que recolhem no local (se é que recolhem, claro!).
Por favor, isto não é um jornal de informação. Não há qualquer informação aqui! Eles escrevem para vender. Empolam a realidade, tornam tudo extremamente dramático (neste caso é mesmo dramático, mas há outros casos que não são). Expliquem-me como é que a "Praxe matou três jovens". Expliquem-me qual é a necessidade daquela fotografia onde o corpo está a entrar na ambulância. Já para não falar nas fotografias horríveis que foram publicando ontem à noite (não só o CM!) e que se viram obrigados a retirar por serem demasiado violentas e completamente desnecessárias. Acho que todos percebemos o horror. Expliquem-me o porquê da palavra "TRAGÉDIA" estar escrito a vermelho sangue... Não precisam de me explicar, na realidade. Eu estudei isto. E estas coisas são única e exclusivamente feitas para VENDER.
Só iremos ter um jornalismo de qualidade quando começarmos a abolir este sensacionalismo que é vendido como sendo informação, mas que não passa de uma "Casa dos Segredos". Vamos exigir qualidade na nossa informação? Vamos começar a exigir profissionalismo? Vamos abolir estas coisas a que chamam de jornais (e canal, agora) e começar a ler notícias de qualidade feitas por profissionais? São poucos em Portugal, mas ainda há esperança.
Diziam os jornalistas que os alunos não querem prestar declarações. Eu faria exatamente o mesmo. Para quê? Eles não querem saber da nossa opinião. Selecionam o que interessa e escrevem o que vende.
A praxe está a servir de bode expiatório. Está a desviar a atenção do país para problemas mais sérios. E há pessoas que estão a esfregar as mãos de contentes. Vamos todos abrir a pestana e deixar de comprar o CM que é, nada mais nada menos, o jornal mais vendido em Portugal. Isso deixa-me triste e descrente na sociedade que temos.

O post foi extremamente longo, mas foi um desabafo.
Queria mesmo, do fundo do coração, dizer que lamento profundamente o sucedido. Lamento tanto... Às famílias, aos amigos, aos colegas, ao curso, à Universidade, um abraço. Nunca mais vamos esquecer isto. Nunca mais vamos ver as coisas da mesma maneira.
Mas vamos continuar unidos. Hoje a Universidade do Minho encheu-me de orgulho. Somos UM.


Acho que a melhor homenagem que posso fazer ao curso de LEI é esta:
Haka
0:43 até 1:06
(Estava à frente deles. Arrepiei-me!)


FORÇA LEI!

E ao Nuno: "Quem é a avó que faz mais chamadas? a Vodafone!" 
Nós não vamos esquecer a tua boa disposição... E eu não gosto de nenhum Ice Tea :')


Sticky&Raw
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stickyandraw@live.com.pt

16 comentários:

Anónimo disse...

Foi o texto mais verdadeiro e sentido que li acerca deste assunto...
As minhas sinceras condolências a todos os amigos e família.
Somos UM. Somos LEI.

Anónimo disse...

Depois de ler este texto não encontro as palavras certas para me exprimir...
Mas a tua homenagem a LEI, é grande e formidável e apesar de "seres de fora" conseguiste exprimir à LEI os ideias passadas pelas pessoas que os praxam!!!
Muito obrigado pela homenagem!

RIP ao Krusty, Kreppo e Apollo!
Eles estarão sempre com todos nós!!

Anónimo disse...

Depois de ler este texto não encontro as palavras certas para me exprimir...
Mas a tua homenagem a LEI, é muito forte mesmo e sincera!!
E apesar de "seres de fora" conseguiste exprimir à LEI os ideais passados pelas pessoas que os praxam!!!
Muito obrigado pela homenagem!

RIP ao Krusty, Kreppo e Apollo!
Eles estarão sempre com todos nós!!

Sticky and Raw disse...

Era o mínimo que podia fazer. Eles também eram "meus". E apesar de ter tentado, não consigo pôr em palavras a tristeza que eu sinto.
Tenho pena de não ter tido mais intervalos como aqueles...
Força LEI!

Anónimo disse...

Um texto arrepiante e sentido. Encheu-me de orgulho por pertencer a esta academia.

Em nome de LEI, um muito obrigado.
Em nome de todos, descansem em paz.

Anónimo disse...

Obrigado por este texto.

Conhecia o Vasco/Kreppo uns anos antes da universidade.
Sempre foi um excelente amigo, daqueles em que se podia confiar verdadeiramente.

Sempre no coração Vasco!



Um descanso sereno para o Vasco para o Nuno e para o João.



Caloiro LESI 1998 disse...

Adorei o texto. Parabéns!

Anónimo disse...

Arrepiado, estudei na UM, estudei em LESI, não fui praxado, não praxei mas senti a "familia" que ai descreveste...os olhos estão molhados com tamanha tristeza, agora como outsider tenho um orgulho enorme na cidade em que nasci e vivo mas acima de tudo na academia que a integra...vocês são verdadeiramente UM, os excessos acontecem em todo o lado mas o respeito que vocês demonstram é mesmo UNICO!! Parabéns pelos texto, sincero e profundo como o "bom jornalismo" devia ser...
Aos caloirinhos que descansem em paz, serão com certeza lembrados para sempre!!

Adriana disse...

Adoro a forma como escreves e como demonstras genuinamente aquilo que sentes. Sinto-me exactamente como tu e tinha pensado em escrever também sobre o assunto, ainda bem que o fizeste primeiro e tão bem. És a voz de muitos. Obrigado! :)

Pedro Dias disse...

Texto impressionante e sentido, o melhor que ja vi. Ainda hoje em dia é dificil explicar ás pessoas o que é ser caloiro de LESI/LEI. Saudades que tenho da familia, como muito bem descreves-te. Fui caloiro em 1998 com imenso orgulho. Temos de continuar a alertar as pessoas para este jornalismo sensacionalista, que continua a deturpar a verdade a muitas pessoas em Portugal. Aos caloiros, que descansem em Paz, LESI/LEI nunca os irá esquecer.

jpdonga disse...

Gostei muito do seu texto. Traduz o que sinto. Fui caloiro em 1982 altura em que a praxe não era nada do que é hoje mas já nessa altura os caloiros e restantes alunos de LESI eram uma família unida. É bom ver que continuam assim. Há que aprender com os erros e manter as tradições e sobretudo a união.

Sem conhecer nenhum dos alunos que nos deixaram senti muito o seu infortúnio não só porque são colegas mas principalmente porque podia ser pai de qualquer um deles e tenho um filho quase com a idade deles e nem quero imaginar o sofrimento dos pais.

"SOMOS UM! SOMOS LESI/LEI!"

Joao Pires disse...

Sem palavras... pertenci a antiga LE(S)I numa altura em que a praxe estava no seu auge. Foi incrivel e sincera a maneira como descreveste a nossa praxe. Fez-me recuar uns anos e relembrar bons momentos. Continua, e obrigado pela homenagem que prestaste ao tres caloiros que faleceram e igualmente ao meu curso.

Unknown disse...

Parabéns pelo texto. Entrei em LESI em 98 e apesar de me ter transferido para o Porto em 2001/2002 LESI é a minha alma. Quando ouvi falar da queda de um murro em praxe pensei, mais uma polémica para os abutres, quando soube que era em LEI deixei de pensar. Em LEI não, em LESI não. Defendi e defendo muito a praxe académica, tentei isolar actos de algumas bestas que outras tentaram associar a Praxe. Apesar de trágico, há algo nisto tudo que de deixa descansado: isto aconteceu sem dúvida em praxe, mas sem culpa desta. Como foi dito no texto inicial, se o Benfica ganhasse o campeonato a culpa era do clube... Eu diria mais: a culpa era do futebol que podemos cair no ridículo de forçar a associação a fenómenos como o holiganismo ou a violência entre algumas claques, mas isso agora... Força claro está às famílias, a toda a família LEI e à vós que tem que lidar com esse circo mediático a querer fazer de vós palhaços.

Unknown disse...

Os meus parabéns pelo post! Pela clareza e sentimento nele contido, pelo cuidado e excelente português, pelo desabafo que emociona e inclui tantas pessoas...

Cumprimentos

Anónimo disse...

Simplesmente: Lindo.

Caloiro LEI 2014 disse...

Só entrei este ano para a UMinho, entrei em LEI, não vivi o sufoco que foi o ano passado, mas respeito ao máximo aquilo que se passou, e apesar de eu não ter passado por isso, não me deixou de vir uma lágrima ao canto do olho, quando li a tão verdadeira parte (esta sim, posso afirmar que é mesmo verdade) de "Os de LEI".