quinta-feira, 16 de abril de 2015

[Gosto de quem gosta de chuva]

Tenho uma relação de ódio com a chuva desde sempre. Bem, não desde sempre, mas há uns bons anos para cá. Desde que comecei a complicar a vida. Ou a vida começou a complicar-se sozinha, nunca sei muito bem.

Dizerem - como eu digo - que gostam do sol e do bom tempo é quase óbvio, lógico. Quem é que não gosta? Mas dizerem-me que gostam da chuva... Isso é raro. Com o sol e calor tudo é mais fácil, mais alegre, mais descomplicado. Há mais energia, mais vontade, mais esperança. Com a chuva a vida torna-se fisicamente mais difícil. A logística é outra - sacos, guarda-chuva, carteira, casaco, tira-a-chave, ai-onde-está-o-telemóvel, segura-me-aí-no-guarda-chuva, abriga-me, os pés molhados, o cabelo indecente, a pele cinzenta como o céu... Ir do ponto A ao ponto B debaixo da chuva torna-se uma tarefa árdua. As viagens de carro são mais perigosas e ao mesmo tempo mais lentas e difíceis. A vida corre mais devagar. As casas estão húmidas, não temos vontade de fazer nada, não nos apetece sair e só queremos uma manta, chá e filmes. Há menos convívio.
A chuva é uma porcaria, é verdade.

Mas nunca ouvi ninguém dizer que gostava dela. Ou que simplesmente não se importava se chovia ou não. Se isso acontecesse ia achar que essa pessoa não batia muito bem da cabeça. Como acontece quando eu digo que gosto de vento e frio. De muito frio.

A chuva é difícil, é verdade. Exige mais de nós. Testa-nos a fazer a nossa vida normal com esse obstáculo. A chuva é só para os fortes, para os resistentes. E eu começo a percebê-la. Até posso dizer que começo a apreciá-la.

Na segunda feira estava na esplanada com uma amiga e estava um maravilhoso dia quente de sol. Do nada começa a chover. A chover a sério. Nem me importei. Pelo contrário. Achei graça a estar na esplanada com a chuva. Nem queria saber se me estava a molhar, se o meu cabelo ia ficar horrível ou se ia apanhar uma constipação. Honestamente, apeteceu-me apreciar aquele momento. Encostei-me para trás e fiquei uns momentos em silêncio a olhar. Caraças, aquilo foi inesperado.
Mais tarde, voltou a chover. E aí mexeu com a minha vida. Tive que ir buscar o carro - que estava longe - e ia de sandálias abertas e vestido comprido. Ora que estão a ver o que me aconteceu: vestido encharcado, pés molhados e cheios de bolhas. Não quis saber. Fiz a viagem com o vidro aberto.

Hoje estava a sair para o ginásio. Estava a cair uma chuvinha-molha-tolos. Voltei para trás para ir buscar o guarda-chuva mas desisti naquele momento. Pus o capucho e fui a pé. Ao sair da aula chovia muito mais. Mas fui para casa sem o capucho. E fui um bocadinho feliz no caminho, confesso.

Começo a gostar da chuva. Começo a achar que só quem está de bem com a vida é capaz de apreciá-la e dizer-lhe que é bem vinda. É um obstáculo, é a natureza a explicar-nos que nem sempre tudo é fácil e claro. Que temos que saber enfrentar e passar por cima. Cada um faz isso da maneira que acha melhor.
Claro que continuo a ser complicada - e sou tão complicada que me enervo comigo própria - e cheia de defeitos, cheia de coisas na cabeça que raramente digo em voz alta. Mas estou a tentar ser melhor todos os dias. Estou a tentar novas perspetivas. E estou a adorar aprender a ser feliz com pequeníssimas coisas que antes nem reparava que existiam.
Mas agora não é para abusar. Continuo a preferir o sol e o calor.

(P.S. Não ando a ler livros de auto-ajuda, sosseguem!)


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