quarta-feira, 10 de outubro de 2018

mãe!



Há que tempos que ando para vos falar deste filme! Já o vi há bastante tempo, mas confesso que nunca consegui escrever muito sobre ele - eu tentei, juro! Este fim-de-semana, num dos raros momentos em que estive encostada no sofá, já bem tarde, encontrei o mother! (sim, com minúscula e com ponto de exclamação) a dar. Não resisti e revi.


mãe! não é um filme convencional, nem pretende ser.


É um rasgo de criatividade, de afronta, de provocação pura e dura e um apelo muito grande à compreensão da mente de um realizador, um pouco conturbada, diga-se! E há tanto, mas tanto a dizer sobre este filme que eu nem sei por onde começar... Vamos lá ver se acompanham:


Sinopse
Tudo começa com uma jovem (Jennifer Lawrence) que acorda e procura o marido. O marido (Javier Bardem) é uma personagem mal humorada, frustrada com o insucesso (é um escritor sem inspiração) e egocêntrica. Por sua vez, a sua esposa é uma perfeita e submissa dona de casa que gosta de limpar, arrumar e reparar o que os outros estragam. A casa de ambos encontra-se isolada e inacabada. Percebemos que é ela quem cuida, repara e constrói o pequeno "paraíso" de ambos. Mais tarde, percebemos também que aquela casa foi incendiada durante a infância do escritor e o único objeto resgatado por este foi um cristal que guarda com carinho e proteção no seu escritório, num pequeno expositor onde não deixa que ninguém lhe toque. Ela sente uma conexão estranha com aquele edifício, como se houvesse um coração a bater no seu interior - referência que não se compreende no início do filme.


A chegada de um homem (Ed Harris) a casa durante a noite e sem aviso começa a destabilizar a vida do casal. O anfitrião mostra-se demasiado entusiasmado e ela preocupada com a segurança de ambos. Afinal, ninguém sabe quem é nem de onde veio. Na manhã seguinte, uma nova visita: a esposa do homem (Michelle Pfeiffer) que entra e sente-se em casa. E é aqui que tudo começa a descambar...


*** o post contém spoilers a partir deste momento ***




Depois de ser provocada e ignorada pela bela visita feminina, a jovem começa a considerar que chegou a altura de se fazerem à estrada, porém, o seu marido informa-a que o pobre homem confessou-lhe que é fã do seu trabalho e, por estar gravemente doente, decidiu conhecê-lo e cumprir um último desejo. A jovem acede ao pedido, diante tamanha alegria e vaidade do marido, com o desejo de que este encontre a inspiração que lhe falta para recomeçar a escrever. Tudo começa a correr mal quando a mulher entra no escritório do dono da casa - ao qual foi repetidamente avisada de que era território proibido - e parte o tal cristal, o objeto mais precioso do escritor, que os expulsa da casa mal repara no sucedido.


Nessa mesma noite, a casa volta a ser invadida pelos filhos dos hóspedes que lutam e um acaba por ferir gravemente o outro e foge. Os pais e o escritor levam o jovem para o hospital e deixam a dona da casa sozinha, assustada e perturbada com o cenário de sangue - que limpa imediatamente. Mais tarde, quando as personagens regressam, informam-na que o jovem faleceu. Pouco depois de se deitar, a jovem acorda com a campainha e o barulho de várias pessoas a falar. Depara-se com uma série de desconhecidos que vieram velar o filho do casal, e utilizam a casa como se fosse deles. À medida que o tempo vai passado, a casa começa a ficar mais cheia de pessoas, mais suja e desarrumada e os avisos da dona da casa começam a ser constantemente ignorados. Esta chega ao limite quando a banca da cozinha parte e a divisão fica inundada. Todos os personagens foram expulsos da casa e a jovem começa a arrumar. Depois de uma discussão com o marido, ambos fazem sexo.


A fase seguinte do filme inicia com a jovem a acordar e a procurar o marido, tal como da primeira vez, mas agora quase no final de uma gravidez muito desejada. O marido informa-a de que terminou, finalmente, a sua obra de poemas. Para comemorar o sucesso, a jovem prepara uma noite especial com direito a jantar à luz das velas. Antes de iniciarem o jantar, são interrompidos pela campainha. Lá fora, uma série de jornalistas a fazer perguntas sobre a obra e o autor. O escritor, envaidecido e com o ego a rebentar, decide ignorar a sua esposa e todo o jantar preparado e começa a dar atenção aos intrusos. Estes começam a entrar em casa, a comer o jantar preparado com tanto carinho e a provocar estragos. Chega cada vez mais gente e a jovem encontra-se desesperada pela bagunça e pela indiferença do marido. Tudo começa a escalar quando fanáticos pelo autor iniciam cultos e espécies de religiões e toda a casa vira cenário de guerra com a polícia a intervir para resgatar a pobre grávida que entra em trabalho de parto.


Depois de se resguardar com o seu marido no escritório, a criança nasce. Mas ambos discordam imediatamente: ele quer mostrá-la à multidão que aguarda lá fora e ela quer protege-la. Num momento de distração, ele tira-lhe o bebé nos braços e entrega-o à multidão. Ela, desesperada e a tentar agarrar o bebé, vê-o a ser desmembrado e a comerem a sua carne e a beber o seu sangue. Logo depois é violentamente espancada pelos fãs do seu marido.


Tudo termina com a jovem a pegar fogo à casa.
Nem ela nem o marido morreram na explosão. Ela fica gravemente queimada e ele com pequenos arranhões. Segue-se um diálogo importante, em que ela lhe diz que não tem mais nada para lhe dar, ao que ele lhe pede uma última coisa: o seu amor. A jovem acede ao pedido e ele arranca-lhe o coração que se transforma num cristal, igual ao exposto no seu escritório e tudo volta ao início, com outra jovem a acordar na sua cama, a procurar o marido.




Explicação
Tudo parece absurdo e confuso, eu sei. Eu própria quando acabei de ver o filme, mesmo percebendo algumas coisas, tive que ir ler sobre a história e as metáforas a que o realizador se referia. São essas que escrevo aqui.


Nenhuma personagem tem nome, porque todas elas representam algo, um conceito ou uma personagem bíblica. Ele, o único nome escrito com letra maiúscula na ficha técnica do filme, é o marido e representa a sociedade, o ser humano, que precisa de ser bajulado, estimulado e mesmo assim, mesmo depois das ajudas de todos, nunca se sente satisfeito com o que tem nem com o que alcançou. A esposa é a mãe representa a Mãe Terra, que cuida e repara todos os danos que o ser humano provoca, renovando-se a cada dia e desculpando cada "ferida". Os visitantes, o homem e a mulher, representam o Adão e Eva que vieram destruir a paz e a harmonia que existia na casa dos anfitriões, ou o paraíso, se preferirem manter-se nas metáforas. Os filhos de ambos - e talvez a comparação mais óbvia de todas - são Abel e Caim, mais conhecidos pelo filho mais velho e o filho mais novo.


O filme é uma alegoria à história da criação do mundo. Inicialmente estava tudo bem no paraíso, até que chegou Adão e Eva e, devido à tentação da mulher, partem o objeto proibido (a "maçã") e são expulsos do paraíso.


Depois entram os filhos que disputam pela atenção e preferências do pai (bem como pela herança) e um acaba por matar o outro.


No velório, tudo corre mal quando os avisos da mãe (natureza) são repetidamente ignorados - não é o que fazemos todos os dias? - e a banca da cozinha parte e inunda a divisão. Este momento é a representação do dilúvio e um novo marco na história.


Na segunda parte, quando a casa é invadida e começam a chegar fanáticos e a criar-se cultos religiosos e de adoração pelo escritor, significa o início das religiões e onde é que o fanatismo as leva - violência, distorção das palavras... E tudo culmina com a morte do bebé - Jesus - que morreu em nome do pai - que o entregou às mãos da sociedade apenas por vaidade - e que comeram do seu corpo e beberam do seu sangue.


Podia continuar por aqui fora em explicações e análises, mas estas são as mais importantes a reter, e o texto já vai longo.


Sei também que não é um filme consensual. Há quem adore e há quem não consiga ver 10 minutos. Eu adorei pela originalidade que Aronofsky pegou num tema gasto e o tornou numa história com drama, suspense e algum terror à mistura. Se é meio surrealista? É pois! Mas é muito bem feito... Eu adoro filmes com conteúdo escondido, em que cada pormenor é um detalhe importante - por exemplo, a ferida nas costas do homem ou o facto de nunca ninguém chamar o nome de ninguém. Acho um trabalho brilhante do realizador, na mesma medida que também acho que ambos os atores foram fenomenais!


Mas agora gostava muito de saber qual é a vossa opinião ;)


mother!
(2017)
de Darren Aronofsky
com Jennifer Lawrence, Javier Bardem, Michelle Pfeiffer e Ed Harris



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