segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Joker

Joker


Joker. O fucking filme.


Sempre estive no team dos que diziam que "ninguém ultrapassará Heath Ledger como Joker. Nunca. Ninguém." Acreditei piamente nisso mesmo quando vi que Jared Leto ia interpretar a personagem em Suicide Squad. Acho-o muito bom ator, mas não... Ninguém ia ultrapassar Heath. Foi quando saiu a notícia de que Joaquin Phoenix ia ser o próximo Joker que as minhas crenças desmoronaram e a vida provou de novo que eu não sou feita para ter ideias fixas. Caraças, é que o Joaquin Phoenix deve ser o único ator que eu imaginava a fazer de Joker como ninguém - e pisco aqui o olho ao Jake Gyllenhaal também, vá. Quando saiu a notícia, um primo enviou-me uma mensagem a perguntar-me "Será que vai ser bom?" e eu respondi-lhe "Vai ser o melhor de todos."


E é. Já estava à espera que fosse um filme do caraças, mas não esperava que me deixasse verdadeiramente desconfortável. E eu acho que Joker é isso mesmo: um filme muito desconfortável. Senti-me indisposta, inquieta - constantemente a trocar de posição na cadeira -, realmente incomodada e profundamente triste com o que estava a ver. 


Acho que Joker é dos filmes que melhor retrata o que é sofrer de uma doença mental e de solidão.


Mas para dar um contexto, - se é que ainda é preciso - Joker é o grande inimigo de Batman - e se ainda não viram os filmes do Christopher Nolan, não sei o que andam a fazer nesta vida - e o que verdadeiramente se chama de psicopata. Não demonstra qualquer emoção, entusiasma-se no meio do caos, não tem qualquer problema em inflingir dor a si próprio ou aos outros... Enfim, um pesadelo. E sempre foi assim que conhecemos Joker - só Joker, sem nome ou apelido - como se ele aparecesse do nada, assim, doido varrido e desejoso de deixar um rasto de sangue por onde passava. Neste filme ficamos a conhecer Arthur Fleck, ou Happy, o nome que a mãe o tratava. Arthur é um homem bom e muito só, que toma conta da mãe doente e que durante o dia trabalha como palhaço profissional, mas sonha com uma carreira em stand-up comedy. Arthur sofre também de uma doença mental que o faz rir sem se conseguir controlar em situações de medo ou de pânico, o que o deixa em maus lençóis várias vezes. Arthur é o "esquisitinho". Todos nós conhecemos um, certo? É aquela pessoa que não faz mal a ninguém, mas também não se consegue expressar, não consegue criar uma ligação "normal" e que acaba por se isolar. Todos nós conhecemos um Arthur, não conhecemos? Pois... Foi nisso que eu estive a pensar durante todo o filme. Todos nós já fomos injustos, rudes, indelicados, incompreensivos, de julgamento rápido com pessoas que não conhecemos ou que não conseguimos entender porque são muito "diferentes" de nós.




Joker é um filme FUNDAMENTAL para os dias que correm. É uma facada no coração, é um estalo na cara de cada um de nós, que nos julgamos sempre tão superiores ou que andamos sempre tão distraídos e que não nos conseguimos pôr no lugar do outro. Eu saí do cinema tristíssima. Tão triste que nem conseguia chorar. Um criminoso não nasce - à partida - um criminoso. Um criminoso - à partida! - nasce de um contexto familiar disfuncional, de experiências sociais traumáticas, de constantes negações, do bullying generalizado, da incompreensão, dos nomes depreciativos... Um criminoso é feito de cada uma dessas camadas e mais algumas. Tal como Joker.


Este filme teve de tudo: uma família disfuncional, traumas de infância, maus tratos, discriminação, "colegas" chicos-espertos, bullying (que hoje em dia se considera cyber-bullying), desilusões, desemprego, crise, roubos, espancamentos... Tudo. Foi nesta panela de pressão que se cozinhou Joker. E esta evolução Arthur-Joker foi tão clara, tão explícita, tão real que me deixou apavorada. 


Qualquer um pode tornar-se um psicopata. Qualquer um.


Joaquin Phoenix fez um trabalho fenomenal  - e o Oscar já é dele. Perdeu mais quilos do que devia ser permitido, mudou a sua expressão facial - os olhos mais tristes que eu já vi -, o riso macabro, o jeito de andar... Nada ali era Phoenix. Era tudo Arthur. Mas no meio de tudo isto, não podemos comparar com Heath Ledger por dois motivos: 1) porque o Heath era o Joker, já com todo um passado que não foi explicado e o Joaquin construiu a personagem, o que nos torna mais empáticos. 2) porque neste filme o Joker é a personagem principal e o Joker de Ledger era uma personagem secundária (o Batman era a principal). Portanto, não vamos cair em comparações - por mais difícil que seja, que eu também já cometi esse erro logo no início do texto.




Este filme é também essencial nos dias que correm porque fez com que se debatessem assuntos muito sérios sobre as doenças mentais (e como a sociedade não está preparada para lidar com elas), sobre o bullying e também sobre a exposição à violência. Há quem acredite que ver filmes como Joker vai aumentar a probabilidade de nos tornarmos todos psicopatas e imitarmos o seu comportamento. Eu tenho uma opinião sobre isto, que vai de encontro ao que os estudos dizem: não há relação. Tanto não há como eu não vejo todas as pessoas da minha idade e mais novos a falar com árvores - e olhem que fomos altamente expostos a doses exageradas de Floribella! Li num post do Nuno Markl no seu Instagram que dizia o seguinte: "... a mim só me faz espécie que as pessoas que consideram Joker um filme capaz de inspirar 'lunáticos' a matar 'gente sã', não veja que, se calhar, também está aqui um filme capaz de inspirar 'gente sã' a estender a mão a 'lunáticos' antes que seja tarde demais". E, no fundo, isto diz tudo sobre Joker.


Depois também há quem defenda que este filme está diretamente relacionado com o ser uma crítica direta a Trump. Eu cá não acho isso. Eu acho que Joker é um abre-olhos para a sociedade no geral: olhem como é que o vosso país vai ficar se continuarem a votar em imbecis como o Trump. E acreditem ou não, mas este filme fez-me ter um cuidado redobrado e ajudou-me a tomar uma decisão sobre em quem votar no domingo e sobre aquilo que eu quero evitar numa sociedade.


Há tanto, mas tanto para dizer sobre o Joker e em particular sobre o trabalho fenomenal de Joaquin Phoenix e Todd Phillips, mas gostava mesmo que fossem ao cinema ver com os vossos próprios olhos. Preparem-se para ficarem arrepiados do início ao fim. Eu ainda estou.




Ah e todos os candidatos aos Oscars de 2020: foi um mau ano para vocês concorrerem. Em 2021 há mais.


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