terça-feira, 14 de janeiro de 2020

O que comemos



Há praticamente um ano senti uma necessidade muito grande de parar de comer carne. Calma. Não deixem já de ler este texto. Eu não me transformei de repente numa vegetariana nem mudei radicalmente os meus hábitos, estejam descansadas... Continuem à vontade. 


Desde muito pequena que tenho uma grande aversão à carne crua. Odeio ir a talhos - tento esquivar-me sempre e tem corrido bem... -, detesto que me descrevam processos de matança dos bichitos - especialmente quando estou a comer - e não suporto ver a carne crua, sabem?, quando ainda estão a temperar ou assim... Somado a tudo isto, sou uma grande defensora dos animais e do Planeta desde que me lembro de ser gente. São questões que me deixam com o coração apertadinho, sei lá! Há mais de 10 anos que não como coelho nem leitão porque tenho muita pena dos bichinhos. Não se riam, que isto é a sério... Tenho mesmo. Sempre disse "um dia que seja eu a cozinhar, vou tornar-me vegetariana". Isso parece-me óbvio, não é? Então se eu não vou a um talho, nem sequer consigo ver e/ou tocar na carne crua ou desfazer um frango, não há milagres. A comida não me vai aparecer milagrosamente no meu prato, já cozinhada.


O ano passado vi um documentário que me fez dar um passo em frente. Não mudou a minha perspetiva sobre as coisas, mas apenas me motivou a seguir aquilo que eu já queria fazer há muito tempo: tentar ir eliminando a carne da minha alimentação. Não me vou pôr com coisas, eu como carne. Ainda hoje como carne e acho que será difícil eliminar a 100% (eu disse difícil, não disse impossível). Mas acho que estamos todos a caminhar a passos largos para uma alimentação mais baseada em legumes e leguminosas e cada vez menos em proteína animal, por uma questão de saúde e por uma questão ambiental e social. 


Estava então a falar-vos do documentário. Chama-se What The Health e vocês têm mesmo que ver, especialmente se são muito a favor da carne na nossa alimentação. É um desafio que vos deixo. Vi e dei por mim a acenar com a cabeça a várias coisas, não por serem propriamente novidade, mas porque eu também acredito nelas. Então desafiei-me a, durante 1 mês, testar a resistência do meu corpo sem uma gramita de carne no organismo. Mais do que entender se o meu corpo se adaptava ou não a esta alteração, eu queria saber o quão difícil é não comer carne em termos emocionais (às vezes, o corpo pede coisas, não é?) e em termos de opções (ainda há muito restaurante que está zero preparado para estas restrições alimentares).




Devo, antes de continuar, fazer uma ressalva de que eu já comia pouquíssima carne e nunca fui uma amante de "um bom bife". Talvez por isso que esta situação não me custou minimamente. Iniciou-se , então, o mês da experiência e eu esclareci toda a gente que ia deixar de comer carne. Os pais não ligaram muito, porque já sabem como é que eu sou e nem vale a pena contrariar. As outras pessoas diziam-me que era panca, que ia ficar doente e que "nós precisamos de comer de tudo!". Hum-hum. Claro que antes de iniciar este "projeto" fui ler umas coisas e preparar-me para o que aí vinha, que sou tola, mas nem tanto. Percebi que praticamente só existiam benefícios em deixar de comer carne, à exceção da perda de nutrientes e proteínas que podiam facilmente ser repostos no nosso organismo através do consumo de grão de bico, feijão, ovo, cogumelos, etc. Apostei forte nos legumes e na fruta e percebi que como prefiro sempre estes produtos à carne, a minha experiência não ia ser muito difícil. 


Então a minha rotina foi a seguinte: durante a semana ao almoço comia peixe - onde almoço só tenho a opção de peixe ou carne - e ao jantar comia sopa. Aumentei o consumo de fruta, frutos secos, legumes e água. Ao fim de semana, se fosse jantar fora optava sempre pelo prato vegetariano. Se não existisse, comia peixe. Se jantasse em casa cozinhava para mim e optava sempre por pratos vegetarianos ou, se não tivesse muitas opções, recorria ao atum ou ao camarão. Fiz falafel, omeletes de legumes, risotto de cogumelos, massa com legumes, legumes salteados, folhado de legumes,... you name it. Como já viram, não passei fome nem estive sempre a comer salada de alface e tomate. Durante esse mês, eliminei a carne e evitei o peixe sempre que possível. Foi um mês particularmente cheio de jantares de grupo e entendi que existe uma grande preocupação por parte dos estabelecimentos em responder a estas condições. Por exemplo, estava num jantar de trabalho com um grupo grande de estrangeiros e portugueses. Pediram para trazerem os pratos tradicionais do norte, para que pudessem provar. Carne não comia e o peixe era, obviamente, bacalhau. Dos poucos  peixes que eu não gosto (mas tenho como objetivo para 2020 começar a gostar e este ano já comi 2 vezes!). Como tive vergonha de pedir outra coisa, porque toda a vida me disseram que era uma esquisita do caraças e que tinha uma grande panca, por isso, estou habituada a comer o que dá e a calar. Lá me fui servindo de salada e arroz. O funcionário, muito atento, percebeu que não estava a comer e perguntou-me porquê. Expliquei-lhe que não comia carne e que não gostava de bacalhau. Em 10 minutos trouxe-me uma massa com legumes salteados que nem no menu estava. Fiquei contente por perceber que já há quem compreenda estes conceitos, que não julgue e que tente responder de forma positiva. Contei este exemplo só para entenderem a minha "aventura" nestes 31 dias.




E sabem uma coisa? Nunca senti fome, nunca me senti fraca e nunca senti a necessidade de comer carne, mesmo depois de duas aulas seguidas de ginásio. Não perdi peso, ao contrário do que toda a gente diz que acontece, mas a verdade é que foi só 1 mês e eu já comia pouquíssima carne, logo, o meu organismo nem deve ter dado conta da mudança. A maior alteração foi que me sentia menos inchada ao final do dia. E agora perguntam-me "mas então nunca houve nenhuma altura em que quase cedeste?". Ceder não cedi, mas confesso que quando foi picanha e arroz de pato fiquei a salivar um pouquinho, mas depois passou porque o meu prato era igualmente extraordinário. No fundo, eu comi de tudo, mas sem carne. Por exemplo, a minha comida favorita é pizza e eu admito que adoro um bom bacon ou um salame, mas nesse mês optei sempre pela minha segunda pizza favorita: com cogumelos. Experimentei também 2 restaurantes novos, um vegan e outro vegetariano, ambos maravilhosos, e ainda continuo cliente. Hoje em dia continuo a comer peixe ao almoço e sopa ao jantar. Como não como fiambre ou enchidos, o meu consumo diário de carne é praticamente igual a zero. No entanto, se me apetecer um folhado de pato, como, porque sei que é 1 refeição no meio de 10. Eu defendo que devemos ter consciência e fazer escolhas sustentáveis. Evitar o radicalismo a todo o custo é a decisão mais acertada - já conheceram algum fundamentalista cheio de razão? Eu não. Vão ouvindo o vosso corpo, vão tomando decisões conscientes e sustentadas para que ao fim do mês não sintam que isto é uma obrigação e abandonem a vossa resolução. Respeitem o vosso tempo, sem pressas nem pressões.


Eu não tenho panca. Não sou esquisita. Não é uma moda. Eu sou muito consciente do que me rodeia e incomoda-me imenso saber que estou a comer um animal. Sabendo que até estou a prejudicar a minha saúde a fazê-lo, não faz sentido insistir neste hábito só porque é tradição comer uma "boa vitelinha assada". Somado a tudo isto, o consumo de carne de forma exagerada - que é o que acontece em Portugal, particularmente no norte - é um dos maiores motivos da degradação do meio ambiente. Já abordei este assunto neste post (gostava muito que lessem ou relessem, que mal não faz) e é, honestamente, a minha maior preocupação e, consequentemente, a minha maior motivação para reduzir drasticamente o consumo. Este texto não serve para recriminar ninguém que adora um cozido à portuguesa, mas é para vos contar a minha experiência e a minha posição perante este tema. Gostava que vissem o documentário - e não ligassem à parte fundamentalista, retirem apenas o importante -, que refletissem e que pensassem se não poderão mesmo reduzir no consumo da carne. Será assim tão complexo fazer, por exemplo, 2 ou 3 refeições vegetarianas por semana? Outras 2 ou 3 de peixe? Isso iria, definitivamente, equilibrar as contas, especialmente se, quando comprassem a vossa carne, se assegurassem que advém de uma produção sustentável, de preferência portuguesa.


Em resumo, tentem comer menos carne pela vossa saúde e pelo ambiente. Não se esqueçam de se irem informar primeiro antes de tomarem este passo e de ouvirem o vosso corpo a dar sinais. Não sejam drásticos, mas sejam decididos. Nós não precisamos de tanta carne no bucho. Mas precisamos mesmo do nosso Planeta...






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